Damurida: prato típico indígena à base de tucupi e pimenta atravessa gerações e mantém viva cultura ancestral em Roraima

  • 19/04/2024
(Foto: Reprodução)
Consumido pelos indígenas como símbolo de força e proteção, caldo que pode ser feito com peixe, carne de caça e até folhagens faz parte da história dos povos originários de Roraima, estado com a maior proporção de indígenas do país. Culinarista indígena ensina receita. Aprenda receita de damurida, prato indígena à vase de tucupi e pimenta Tucupi, pimenta, ancestralidade e preservação da cultura. Esses são os ingredientes principais da receita de uma comida típica entre os povos Macuxi, Taurepang e Wapichana de Roraima: a damurida. Símbolo de força e resistência, o prato saiu das comunidades, tornou-se patrimônio cultural e imaterial da capital Boa Vista, se popularizou e agora também é apreciado entre os não indígenas. 🏹Nesta sexta-feira (19), quando se comemora o Dia dos Povos Indígenas, o g1 conta a história dessa comida ancestral e ensina uma das formas de preparo dela (assista no vídeo acima). Roraima é o estado com a maior proporção de indígenas do país e a quinta maior em números absolutos. São 97.320 pessoas autodeclaradas indígenas, o que corresponde a 15,2% do total de 636.707 habitantes do estado. Passado de geração para geração, a damurida não é apenas um alimento típico dos povos indígenas de Roraima, mas parte da história de uma cultura marcada pela força e uma tradição deixada pelos antepassados. Damurida é um prato indígena que leva muita pimenta e peixe o carne de caça Samantha Rufino/g1 RR A damurida é composta, principalmente, por uma das especiarias mais consumidas pelas pessoas ao redor do mundo e que ocupa um tradicional e respeitado lugar na cultura dos povos originários de Roraima: a pimenta 🌶️. Acredita-se que além de realçar o sabor dos alimentos, a pimenta aumenta o nível de energia do corpo, garante mais força, vitalidade e proteção. Marcada pelo sabor da especiaria, a damurida carrega um "poder" semelhante. 🔎 Curiosidade: damurida não é um nome indígena. Segundo o etnoturista macuxi Enoque Raposo, o alimento é chamado de "Tuma" no idioma Macuxi e significa "comida sagrada", como realmente é considerada pelo povo indígena. Damurida, prato típico da culinária indígena de Roraima. Yara Ramalho/g1 RR A receita da damurida varia de acordo com o costume de cada povo indígena, que pode preferir consumi-la com carne, peixe e com folhagens. Mas, todas elas tem algum em comum, muita pimenta (e põe pimenta nisso) e tucupi, um molho tradicional da região Norte, extraído da mandioca brava. Não se sabe a origem do nome "damurida". Enoque acredita que tenha sido criada por um homem não indígena, provavelmente um padre italiano. Ele explica que não é possível determinar quando a damurida foi preparada pela primeira vez, mas que os mais velhos garantem que ela começou a ser consumida há muito tempo, talvez séculos. "Nós não temos um registro catalogado de há quanto tempo [o prato] é feito, quando começou a ser feitos pelos nossos ancestrais. Porém, nós ouvimos as histórias de nossos avôs, nossas avós, e tudo isso reflete muito do passado, de que é de muito tempo. Não se fala de data, só que é de muito tempo", explica. Pimenta é o principal ingrediente da Damurida. Yara Ramalho/g1 RR A pimenta é uma "entidade de proteção e de cura para os indígenas", segundo Enoque, e por ser composta por ela, a damurida tem muita importância para a cultura indígena. A pimenta sempre foi usada no dia a dia da culinária indígena de Roraima, além de estar presente nos rituais, como o da Pimenta no Olho, uma medicina tradicional que promete curar dores de cabeça e extrair o cansaço das pessoas. Resgate cultural Kalu Brasil é roraimense do povo Wapichana e culinarista Samantha Rufino/g1 RR Para a culinarista Kalu Brasil, de 82 anos, que conversou com o g1 para ensinar a receita, a damurida é mais que um alimento e fonte de renda. Ela viu no prato uma maneira de resgatar a ancestralidade indígena e valorizar os costumes do povo dela, os Wapichana. Filha de mãe indígena Wapichana e pai não indígena, Kalu cresceu em meio a proibição de viver a cultura originária. Ela foi criada pelos avós paternos e passou a conviver com a mãe somente aos 4 anos de idade, quando a mulher começou a morar no sítio em que a família vivia, na região do município de Amajari. À época, ela podia acompanhar a mãe nos lugares, mas não podia comer comidas típicas indígenas, como a própria damurida ou sequer aprender o idioma falado pela família materna. Em meio a duas culturas, ela percebeu que a damurida era vista pelos não indígenas como um alimento ruim. "Era o prato principal da minha mãe. Eu ficava vendo que ela comia com tanto gosto com as amigas dela, na aldeia que ficava próxima ao sítio do meu avô", relembra a culinarista. "Eu sempre ouvi muito se falar da damurida com um sentido pejorativo, como se fosse uma comida mal feita, uma comida sem higienização, sabe? Eu cresci vendo que realmente os meus ancestrais estavam sendo vítima de um assunto [preconceito], com algo que não era conhecido pelos brancos e que eles [os brancos] deduziram e falavam coisas ruins, e isso foi aumentando", conta. Na cultura indígena, o caldo de damurida serve para garantir energia, vitalidade e força Yara Ramalho/g1 RR Adulta, Kalu viu na gastronomia uma oportunidade de acabar com o estigma criado sobre a comida e uma forma de levar o conhecimento para além dos limites das terras indígenas de Roraima, dos estados e até das fronteiras do Brasil. Em 1996, ela se especializou no preparo do prato e passou a ensiná-lo para os povos de outros estados brasileiros, além de aprender com eles. Kalu Brasil criou versões da damurida que agradam até o paladar de quem não gosta de pimenta, como a receita ensinada ao g1. "Eu comecei a andar pelas aldeias para ver que tipo de damurida era feita, como que cada etnia fazia. Eu vou para assistir e para levar o conhecimento também da nossa damurida Wapichana, da damurida Macuxi, que são bem parecidas, e trazer o conhecimento deles para os nosso povos também", disse. Atualmente, a culinarista deu uma pausa nos ensinamentos e aprendizados presenciais, mas ainda atende ligações de cozinheiros de todo mundo que querem aprender um pouco mais sobre a gastronomia indígena roraimense. Para quem não gosta de pimenta 'ardosa', Kalu Brasil ensina uma receita com pimenta de cheiro. Yara Ramalho/g1 RR Ancestralidade e resistência O prato típico, no entanto, não é marcado apenas pelo sabor ardente. Para Alcinda Pinho Cadete, de 65 anos, integrante do Conselho de Saúde Indígena da comunidade Campinho, na região da Serra da Lua, no município de Cantá, Norte de Roraima, e muitos outros indígenas, a damurida é símbolo de ancestralidade e resistência às transformações culturais. "Os conhecedores diziam que a damurida espanta qualquer tipo de mau fluído. Se você vai na serra, vai no campo, vai no rio e a sua refeição está completa com esse caldo ardente, com essa damurida e a pimenta, você está protegido. Não é só uma questão de sabor, ela é importante para o nosso povo, para a nossa tradição, ancestralidade", explica Alcinda. Do povo Macuxi, Alcinda Pinho aprendeu a fazer damurida com a mãe, quando ainda era criança. Ela viveu boa parte da infância em comunidades próximas do povo Taurepang, na região de Pacaraima, também ao Norte de Roraima, com quem a mãe dela aprendeu uma das variadas receitas da comida. Damurida, prato tipicamente indígena, se popularizou em Roraima e é patromônio cultural e imaterial Samantha Rufino/g1 RR Não diferente das outras, essa é composta por pimenta, porém é mais consumida com carne, que pode ser de caça ou bovina, mas que deve ser bem assada e temperada, além de folhagens de plantas nativas. "A damurida que é temperada no sabor Taurepang tem um diferencial, ela é composta por folhas. São folhas de macaxeira bem verdinhas, folhas de taioba e caruru, que é nativo, e folhas da pimenta malagueta", explica Alcinda. Os indígenas consomem damurida desde os primeiros anos de vida, mas as mães controlam a alimentação dos pequenos, principalmente quando o prato é feito com peixe e as crianças ainda não sabem como retirar as espinhas. Damurida, prato típico roraimense. Yara Ramalho/g1 RR Seguindo a tradição, Alcinda ensinou a receita do prato para as filhas, que repassaram para os próprios filhos e, agora, para os bisnetos da indígena. Para Alcinda, um dos principais desafios atualmente é preservar essas receitas e garantir que elas não se percam nas gerações que vieram depois da dela. "Eu tenho muito cuidado com a minha bisneta, que já está caminhando para a damurida e para mim é uma satisfação enorme poder contribuir com isso. É importante falar para [as crianças e jovens] sobre os nosso hábitos, cultura, que já sofreram tantas modificações", explicou. Patrimônio cultural e festa exclusiva Criado nas comunidades indígenas, o prato típico alcançou outros espaços e agora está presente no cardápio e paladar de diversas famílias roraimenses não indígenas. Para se ter ideia da força desse alimento, ele é patrimônio cultural e imaterial da capital Boa Vista desde novembro de 2022. São definidos patrimônios imateriais, as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural, de acordo com a Unesco. O prato típico é tão especial que até tem uma festa exclusiva: o Festejo da Damurida. Realizado anualmente por indígenas Wapichana, o evento ocorre na comunidade da Malacacheta, no Cantá, distante 37 Km de Boa Vista. A festa é realizada durante o mês de novembro e, apesar de ocorrer apenas na Malacacheta, chama a atenção de pessoas de todas os 15 municípios de Roraima e reúne indígenas de diversos povos. Além da comida típica, o festejo ainda conta com danças, músicas, artesanato e competições indígenas. "Quando chega o período do festejo, a comunidade inteira se reúne e vai se preparando para aquele dia. É muito legal, nossa, as pessoas precisam ver, precisam degustar das damuridas", garante Alcinda. 🥘 Receita ⏱️ Tempo de preparo: 1h Ingredientes: 🍶 Tucupi - 500 ml 🌶️ Pimenta de cheiro - a gosto 🫑 Pimentão - 2 unidades 🧅 Cebola branca ou roxa - 1 unidade 🐟 Filé de peixe (dourado) - 1 kg 🌿Cheiro verde 🍀 Chicória 🧄 Sal e alho a gosto Modo de preparo: Tempere o peixe com sal e alho e deixe descansar; Cozinhe o tucupi em uma panela de barro e retire a espuma branca quando começar a ferver; Corte a cebola, o pimentão e jogue parte dos temperos na panela. A pimenta de cheiro é colocada inteira. Reserve o restante; Em seguida, sele o peixe em uma panela; Depois de selado, coloque o peixe no tucupi e deixe ferver; Em seguida, coloque o restante dos temperos; Depois de fervido, é só servir com a pimenta jiquitaia e pimenta com tucupi preto. O prato pode ser consumido com beijú. Bom apetite! Beijú de mandioca, alimento indígena de Roraima e acompanhamento da Damurida. Yara Ramalho/g1 RR Leia outras notícias do estado no g1 Roraima. 📲 Acesse o canal do g1 Roraima no WhatsApp.

FONTE: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2024/04/19/damurida-prato-tipico-indigena-a-base-de-tucupi-e-pimenta-atravessa-geracoes-e-mantem-viva-cultura-ancestral-em-roraima.ghtml


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